“Se és capaz de manter a calma, quando todos
ao seu redor já a perderam e te culpam…”
Essa era uma das frases do poema “Se” de Rudyard
Kipling, escrito em uma das paredes do pátio da Academia
da Força Aérea, em Pirassununga, SP, no meu
tempo de cadete. Naquela época, eu lia aquelas frases,
decorava suas palavras, mas não percebia completamente
a importância do seu significado. Ficávamos ali,
em pé, olhando para aquelas paredes durante horas,
em formaturas intermináveis. Todas as noites, todos
os dias. Hoje, passados muitos anos e muitas experiências
de vida, sei exatamente o valor daquele ensinamento.
“Manter a calma” pode ser a diferença entre
o sucesso e o fracasso, entre a vida e a morte, em especial
para um guerreiro, para um combatente, para um astronauta!
Na vida, assim como no campo de batalha, temos objetivos a
cumprir. Temos também inúmeros obstáculos
e distrações que tentam a todo instante nos
tirar do caminho e desviar a nossa atenção do
que é realmente importante para conquistarmos o sucesso.
O inimigo faz a sua parte, colocando todos os seus esforços
em sua tentativa constante de nos abater física e,
principalmente, mentalmente. Ele tenta derrubar o moral da
tropa. Ele sabe que isso é o mais sério. Um
combatente ferido tira dois soldados da batalha.
Contudo, em resposta aos ataques do inimigo, se mantivermos
a calma, o bom humor, e a atitude positiva, todos focados
nos nossos objetivos, teremos tempo de sobra para ver os olhos
de desespero do inimigo ao nos aproximarmos da vitória.
Não existe nada mais terrível para ele do que
ver suas tentativas, com toda a sua energia e recursos, gastos
inutilmente. Isso o faz mais fraco e temeroso, deixando-o
susceptível ao nosso ataque fulminante.
No dia-a-dia, muitas vezes temos a tentação
de deixar as nossas emoções negativas tomarem
decisões por nós. Queremos resolver aquele nó
na garganta, aquele fervor no estômago, ali, naquele
instante. Descontar tudo sobre aquele “culpado”
que identificamos e condenamos a receber toda a nossa ira
por estarmos naquela situação desagradável.
Depois, passado o momento, com a nossa mente reinstalada no
nosso cérebro, e ainda com o gosto amargo da revanche
espumando na boca, começamos a fazer o inventário
das nossas ações impensadas. Remorso, desespero,
urgência de fazer alguma coisa para corrigir a besteira,
etc, são sentimentos comuns nessa hora. “Se eu
tivesse pensado melhor…se eu tivesse tido um pouco mais
de calma! Por que fiz essa besteira!” Mas aí
já é tarde demais, normalmente. Pessoas já
foram feridas, coisas já foram destruídas.
Ter calma! O que significa, realmente, isso? A vida mostra
que “ter calma” significa ter a coragem para esperar
mais um segundo. Pensar antes de agir. Manter a mente focada
no objetivo maior. Ter autoconfiança suficiente para
não se deixar levar pela situação, mas
sim comandar as ações com inteligência
e elegância. Um insulto só fere o moral do seu
autor. Ele é que não foi capaz de encontrar
argumentos mais inteligentes para a discussão. Se você
se preocupa com “o que vão pensar de mim”,
lembre-se que a opinião de momento de outras pessoas
só tem valor se a soma delas tiver algum benefício
real para você. Essa opinião é como fumaça
ao vento. Se você tiver uma atitude firme, previsível,
constante e sensata, a opinião duradoura sobre você,
aquela que realmente interessa, será sempre o reflexo
desse comportamento virtuoso.
Além da raiva, o medo também tenta nos tirar
do estado de calma. A mão fica trêmula. O coração
acelera. A mente divaga em pensamentos de tragédia.
O foco fica prejudicado. Isso é uma reação
natural de auto-preservação. Não deixe
que o medo tenha domínio. Lembre-se sempre que as suas
ações são a sua melhor proteção,
não os seus pensamentos. Para isso, é necessário
ter seus sentidos aguçados. Use o medo para isso. Use-o
a seu favor. Continue o procedimento. Respire fundo. Pense
no próximo passo, não na possível conseqüência.
Controle sua fala. Concentre-se nisso. Transmita informações
com voz firme e pausada. Uma palavra de cada vez. Isso ajudará
a outras pessoas, ao seu redor, a também controlarem
as emoções, vencerem o medo e contribuírem
positivamente contigo para, juntos, saírem daquela
situação de risco.
Existe uma estória interessante sobre como a calma
pode derrotar o medo e os inimigos. No tempo dos samurais,
no Japão antigo, havia a tradição das
academias receberem os samurais errantes para que os mesmos
demonstrassem as novas técnicas aos discípulos
locais.
Em troca da demonstração, feita em forma de
desafio de luta ao mestre da academia, o samurai ganhava uma
refeição e uma noite de descanso. Um dia, um
desses samurais chegou exausto e faminto a uma pequena cidade.
Quase sem forças, mas com a postura inabalada, procurou
pela academia local e desafiou o mestre conforme a tradição.
Em sua mente, sabendo de sua condição física
extremamente debilitada, ele planejou ficar praticamente imóvel
durante o combate, apenas esperando que seu oponente o atingisse
e vencesse a luta. Dessa forma, ele poderia ganhar sua refeição
e descansar o mais rapidamente possível.
A luta iniciou formal, como de costume. Os discípulos
postados de joelhos assistindo atentos a todos os movimentos
do mestre e de seu oponente forasteiro. Após o cumprimento
inicial, o samurai ficou parado, conforme o seu plano. Olhos
fixos nos olhos do mestre, espada baixada. Mente fixada no
prato de comida. O mestre, ao ver aquela situação,
e sem saber dos planos do samurai, começou a divagar:
“Por que ele estaria tão parado? Esse samurai
deve ter uma técnica muito precisa, rápida,
eficaz, perigosa, infalível! Assim eu me mover, ele
deverá me acertar e derrubar. Tudo rápido como
um raio!”
Seu coração estava acelerado. As mãos
mal seguravam a espada de madeira, que pesava como nunca.
O suor escorria e brilhava sobre a face pálida. Olhava
para os alunos: “o que eles pensarão de mim quando
esse poderoso samurai me derrotar?”
Vencido pelo seu próprio pânico, ele finalmente
jogou a espada no chão e postou-se de joelhos perante
o oponente imóvel. “Eu desisto! Por favor, conte-nos
sobre essa sua técnica infalível!”
O samurai, sentou-se, exausto e surpreso e falou: “não
existe nenhuma técnica, estou fraco e faminto, apenas
esperava que tudo terminasse rapidamente. Eu não venci
nenhuma luta, você é que se deixou derrotar!”
Assim, perante o medo ou à raiva, respire fundo! Encare
o inimigo nos olhos! Acredite em você! Lembre-se, se
você mantiver a calma, você terá todas
as chances de vencê-lo! Nunca se esqueça disso.
Marcos
Pontes
Colunista,
professor e primeiro astronauta profissional lusófono
a orbitar o planeta, de família humilde, começou
como eletricista aprendiz da RFFSA aos 14 anos, em Bauru (SP),
para se tornar oficial aviador da Força Aérea
Brasileira (FAB), piloto de caça, instrutor, líder
de esquadrilha, engenheiro aeronáutico formado pelo
Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA),
piloto de testes de aeronaves do Instituto de Aeronáutica
e Espaço (IAE), mestre em Engenharia de Sistemas graduado
pela Naval Postgraduate School (NPS USNAVY, Monterey - CA). |