SEJA VOCÊ MESMO

Marcos Pontes
21/08/2007

Meu pai dizia uma coisa interessante: não gaste energia inutilmente tentando representar um personagem como se fosse um ator. Concentre suas energias no seu objetivo e seja você mesmo, sempre.
Essa dica simples foi uma das coisas mais importantes em momentos críticos da minha vida envolvendo pessoas hierarquicamente superiores ou inferiores. Na verdade, não existem pessoas “superiores” ou “inferiores”. Isso tudo é criação de nossa mente ou condição temporária da sociedade. Todos são igualmente importantes.
Junho de 1998...última fase do exame de seleção de astronautas na Agência Espacial Brasileira, em Brasília. Nós, candidatos, estávamos tensos e nervosos na expectativa dos exames e resultados. Já havíamos passado pelas duas primeiras fases. Restaram apenas cinco de nós. O teste final seria uma entrevista, individual, em inglês, com representantes de várias entidades de peso como NASA, Academia Brasileira de Ciências, etc, para testar nossas qualificações pessoais e profissionais para representar 180 milhões de pessoas em um projeto de enorme visibilidade e vulto internacional. Naquele dia, um de nós seria “o escolhido”.
Aguardamos a chamada em uma sala pequena com sofás, revistas, cafezinhos e olhares perdidos. Cada entrevista durava cerca de meia hora. Fui o terceiro a ser chamado. Ao retornar, os dois primeiros usaram respostas monosilábicas para as nossas perguntas famintas sobre algo que acalmasse aquele “frio na barriga”.
Chegou a minha vez! Caminhei pelo corredor acompanhado por alguém que não me lembro, que apontou a porta e desejou boa sorte. Ao longo do corredor eu pensava respostas inteligentes. Todas esquecidas no momento em que abri a porta e olhei o cenário que me aguardava lá dentro.
Uma mesa enorme com muitas cadeiras ocupadas por supergênios. Certamente todos sabiam muito mais do que eu...sobre todos os assuntos do mundo. Sérios e concentrados nos papéis e anotações sobre a mesa. O silêncio era marcante. Além do meu próprio coração, eu podia ouvir as folhas de papel virando quando entrei. Alguns levantaram a vista, outros, os óculos e alguns me ignoraram e continuaram a olhar para os papéis. Engoli a tensão seca e me sentei numa cadeira. Parecia mais baixa do que as outras. Olhei de um lado a outro da mesa. “O que estariam pensando? O que querem de mim?”
Lembrei de meu pai e de suas palavras: “seja você mesmo”. Meus pensamentos foram interrompidos pelas palavras de introdução. Começaram as perguntas. Respondi conforme meus conhecimentos. Em certo momento, o chefe de seleção de astronautas da NASA, o Dr. Duane Ross, disse: “Marcos, fale sobre a sua vida.”
Achei a pergunta um tanto “aberta”. Comecei a pensar uma resposta baseada no currículo profissional. Antes de falar, notei que os papéis a sua frente eram exatamente o meu currículo. Ora, eles já tinham as informações! Para que repetir? Resolvi falar da “pessoa Marcos”. Falei sobre Bauru, sobre meus pais, do meu orgulho de sua luta de vida, do tempo de criança, da minha emoção no parto do meu filho Fábio, que segurei na palma da mão ainda com o cordão umbilical. Falei das coisas da vida, do sentimento humano, que transformam cada pessoa em um ser especial, único.
De repente, uma coisa estranha aconteceu. A mesa começou, em minha mente, a diminuir, a minha cadeira a subir até ficar no nível dos outros, as pessoas já não pareciam tão superiores e assustadoras. Olhavam para mim como uma pessoa, como elas.
No momento em que falei de mim “como pessoa”, criei uma ligação verdadeira com aquelas outras. A mesma ligação que permitiu, como seres humanos, que nos uníssemos para nos proteger e dominar o planeta. Reconhecer a importância de cada um como indivíduo para o sucesso do grupo.
Falei por cerca de 22 minutos, só naquela questão. Terminei, agradeci, levantei, despedi, sai.
No corredor, pensava sobre meu pai. “Como ele sabia disso?”
Cheguei à sala dos candidatos. Já não havia frio na barriga. Apenas as suas perguntas famintas. Respondi da mesma forma: “sim”.

Marcos Pontes
Colunista, professor e primeiro astronauta profissional lusófono a orbitar o planeta, de família humilde, começou como eletricista aprendiz da RFFSA aos 14 anos, em Bauru (SP), para se tornar oficial aviador da Força Aérea Brasileira (FAB), piloto de caça, instrutor, líder de esquadrilha, engenheiro aeronáutico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), piloto de testes de aeronaves do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), mestre em Engenharia de Sistemas graduado pela Naval Postgraduate School (NPS USNAVY, Monterey - CA).

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